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Liberdade total
A queda de braço entre softwares livres e proprietários está longe de ter vencedor. No mundo corporativo, empresas levam em conta custos e rendimentos para determinar que sistema irá operar seus computadores. Em uma pesquisa mundial, feita em 330 organizações, a consultoria IDC constatou que 72% dos executivos ouvidos pretendem acelerar a adoção de Linux em servidores por causa da crise mundial.
Mas não são só nos servidores que a mudança deve ser mais rápida. Das empresas ouvidas, 68% também pretendiam fazer o mesmo em relação aos desktops. Segundo o estudo, feito em março, as companhias planejam a transição focando em cortar custos em licenças e royaltes. Mas quando a mudança acontecerá nas residências?
Ao contrário dos usuários corporativos, que podem investir em cursos, treinamentos e assistência, os donos de PCs domésticos ainda alimentam um certo receio em relação à transição do software proprietário para o livre. “O usuário final ainda está começando a entender que a alternativa existe. E que não são só baratas, mas também boas”, defende Fábio Filho, representante da Canonical (empresa de softwares) para a América Latina.
E conhecimento é o maior entrave à adoção de alternativas aos sistemas proprietários. “A principal barreira para o usuário caseiro é a propaganda feita pelos produtos Windows. Eles têm uma abrangência maior e estão ligados a outros programas, como o Office, por exemplo. Quanto a isso, não tem para onde correr”, diz Alejandro Chocolat, diretor da Red Hat no Brasil.
O importante é fazer a transição de forma consciente e suave, como acontece nas empresas. Do contrário, a mudança brusca e arbitrária de padrões acaba por gerar rejeição. “O ideal é começar aos poucos e ir identificando as necessidades. Começar pelo Open Office, por exemplo. Aí o usuário vai ver que continuará acessando seus documentos normalmente”, explica Sergio Toshio, diretor da Novell no Brasil.
O estatístico Waldir Lêoncio Netto fez diferente. Adotou programas abertos e logo instalou nos computadores de casa, para que todos os familiares também mudassem de hábito. No início, até que se acostumassem, vieram as dificuldades. E os tropeços são compreensíveis, já que padrões mudam e coisas simples atrapalham, como não encontrar um menu ou função no mesmo lugar que antes, com o Windows.
Interação
Para quem fica inseguro em deixar programas de uma grande empresa para adotar um sistema desenvolvido por pessoas no mundo todo, achando que corre o risco de ficar sem atualizações ou suporte, pode ficar tranquilo. Por trás de algumas distribuições, estão grandes empresas de software, como a Novell, que apoia o OpenSuse, a Canonical, com o Ubuntu, e a Red Hat, que oferece o Fedora.
As companhias provêm as distribuições de upgrades e evoluções, e, em troca, têm um grande laboratório de testes de versões pagas dos programas, que são oferecidos como soluções para empresas. “Fedora é o nosso laboratório de pesquisa e desenvolvimento e as atualizações que estarão em nossa próxima versão empresarial estão hoje nele”, explaica Jim Whitehurst, presidente da Red Hat.
Outro bônus para as empresas é a disseminação de seus programas e sistemas. Com as versões gratuitas, mais e mais pessoas têm a oportunidade de se familiarizar com outros padrões que não o estabelecido pela família Windows e Office.
Outra vantagem dos computadores com sistemas gratuitos é a sorte de programas que os acompanha, desde o momento da instalação. Enquanto os proprietários, caso do Windows e do Mac OS, da Apple, trazem programinhas simples para algumas tarefas, como o Wordpad para editar textos, e o Paint para manipular imagens, as versões de Linux vêm bem completas.
As distribuições do Linux costumam trazer consigo uma suíte completa de programas que deixa qualquer computador pronto para realizar tarefas comuns, como digitar um texto, editar uma imagem ou assistir a um vídeo. Caso do Open Office, poderosa ferramenta para texto, editoração, planilhas e apresentações, e do Gimp, editor de imagem mais completo do mundo livre.
Para verificar as facilidades e as dificuldades de se adotar o Linux na máquina de casa, testamos quatro distribuições diferentes (Fedora, OpenSuse, Ubuntu e Mandriva), e trouxemos o relato do Waldir, que foi radical: só usa software livre.
Linux fácil, fácil
Instalar o sistema operacional é tão prático quanto fazer o mesmo com o Windows. As telas pretas cheias de códigos ficaram no passado.
Não dá mais para usar os programas da Microsoft com a desculpa que só eles, no caso dos PCs, são decifráveis pelo usuário comum. A soma da comunidade de usuários avançados com empresas desenvolvedoras de softwares deu em dezenas de distribuições Linux, versões do sistema operacional de código aberto, que agora são amigáveis a qualquer um.
E ainda trazem mais vantagens. Livram o usuário de ter de comprar outros programas, todos pagos, que rodam no sistema da Microsoft e que servem para queimar CDs, editar imagens, texto ou planilhas. Mas abandonar o padrão aprendido depois de anos de uso pode ser doloroso, com alguns tropeços até pegar de vez os novos caminhos.
O estatístico Waldir Lêoncio Netto, de 26 anos, resolveu encarar o desafio. Isso porque há 3 anos ele optou por somente utilizar softwares livres em seu computador residencial. A escolha é um engajamento no que Netto chama de filosofia do programa livre. “Gosto muito da ideia por trás disso tudo, principalmente os conceitos envolvidos, como o compartilhamento livre de informações.”
Atualmente, Netto utiliza a distribuição Ubuntu do sistema operacional Linux, o editor de trabalhos acadêmicos Latex e o OpenOffice para digitar textos e planilhas. Para navegar na internet, a escolha foi o browser Mozila Firefox e, com intuito de mexer e alterar suas fotos, o Gimp. Todos os programa selecionados não são os mais conhecidos da área e fazem as vezes de softwares proprietários, como Photoshop, Windows e Microsoft Office.
Mesmo assim, o estatístico entende que não saiu perdendo na mudança. “Desempenho minhas tarefas da mesma maneira. Não perdi qualidade na minha experiência como usuário”, comenta. Uma das vantagens do software livre é a economia, já que todos os programas são gratuitos e podem ser baixados da internet.
Mas a economia não foi o único motivo da entrada de Netto no mundo do código aberto. A curiosidade também pesou mais na decisão. “Eu sempre gostei de tecnologia e adoro futricar no computador. Os softwares livres, principalmente o Linux, me dão essa possibilidade. Faço o meu PC de gato e sapato, e ele ainda está redondo”.
Outro ponto que chama a atenção do estatístico é a flexibilidade. Sistemas operacionais feitos nessa linguagem podem ser rodados direto de um pendrive ou de um DVD, facilitando o transporte. “Isso é uma grande vantagem. É como se eu estivesse sempre com o Ubuntu no meu bolso, podendo usá-lo onde der na telha”, ressalta.
O engajamento do estatístico no mundo dos Software Livre é tanto, que ele convenceu toda a família a embarcar nessa. Da mãe à namorada, passando pelos irmãos, todos tiveram que se adaptar à nova realidade. O que não foi tão fácil. “No início, eles tiveram um pouco de dificuldade, mas aprenderam rápido”, defende Netto.
Tropeços iniciais
Apesar dos benefícios atuais, Netto conta que apanhou um pouco dos softwares livres até conseguir dominar as novas ferramentas. Tudo porque durante mais de 14 anos ele utilizou produtos da Microsoft em suas máquinas. A principal dificuldade encontrada foi na adaptação de programas para a nova linguagem. O estatístico comenta que outro problema enfrentado foi achar programas menos populares, como os utilizados especificamente para fazer cálculos ou relatórios matemáticos.
Waldir encontrou, ainda, dificuldades com os games. Na opinião de Netto, os jogos desenvolvidos para Linux ainda têm uma cara muito experimental. “A maior limitação, com certeza, é a falta de games comerciais de boa qualidade”, garante. Para ele, aqueles que não quiserem abrir mão de jogar no PC ficarão insatisfeitos com as possibilidades.
Na internet, os usuários de programas abertos reúnem-se para discutir sobre softwares, atualizações e oferecer um espaço para sanar possíveis dúvidas. O estatístico, de tão envolvido na ideia, resolveu contribuir financeiramente com um grupo que desenvolve novos produtos com código aberto. “Apesar de ser gratuito, os benefícios ofertados são tão bons que você sente vontade de colaborar com a comunidade”, explica.
Tente você também
Primeiro
Dinheiro, canja de galinha e backup nunca são demais. A quantidade de formas que podem ser usadas para criar e manter dos arquivos mais importantes só é menor que as possibilidades de algo inesperado sumir com fotos de família, dissertações e trabalhos. Então, sempre mantenha tudo duplicado em DVDs, HDs externos ou serviços na internet. Depois do sermão, fique mais atento ainda na hora de instalar um novo sistema operacional. Isso mesmo se nenhuma formatação for feita e mais de uma plataforma forem conviver no mesmo disco (Exemplo: Windows Vista + OpenSuse). Com os arquivos seguros, é hora de se escolher entre criar uma partição para o Linux ou apagar todo o disco e instalá-lo.
Segundo
Escolha sua distribuição (uma espécie de versão de sistema operacional baseada no kernel — núcleo ou cerne — Linux, junto com outros softwares). Entre outros fatores, você pode escolher uma que funcione a partir de CDs ou até de pendrives. Assim, nada precisa ser instalado e o sistema funciona em qualquer computador — numa lan house, por exemplo.
Na hora de optar por uma distribuição mais adequada, se lembre de baixar a mais recente. Versões antigas poderão atrapalhar na hora da instalação, já que não terão os drives corretos para colocar a máquina para funcionar corretamente. E, se for preciso atualizá-los, toda a facilidade do processo, como aconteceria no Windows, pode ir por água abaixo.
Terceiro
Agora, é só seguir os passos. Em todas as distribuições testadas, as etapas eram simples e intuitivas. Dependendo do tipo de arquivo baixado, estará disponível a função LiveCD, que rodará o sistema operacional sem que seja necessário instalá-lo. Mas se for essa a intenção, o usuário basta clicar em um ícone que aparece no desktop com esta opção.
Depois da ordem dada, é só responder algumas perguntas, como o padrão do teclado, localização (que dá ao computador informações de fuso-horário, por exemplo), data e hora, e nome do usuário. Prontinho. Tudo deve começar a rodar com certa tranquilidade. Agora, é aproveitar todos os recursos nativos, como suíte de escritório, player de mídia e por aí vai…
Distribuições testadas
Todas as versões testadas se saíram bem. A instalação aconteceu sem problemas e o uso, básico (que inclui usar pendrives, queimar CDs, navegar na internet e assistir a filmes), aconteceu sem maiores dificuldades.
Correio Braziliense, Tiago Falqueiro, 2 de junho de 2009