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Crise impulsiona software de código aberto
A mesma crise econômica que tem fustigado o mercado de tecnologia da informação (TI) em todo o mundo vem direcionando os holofotes de milhares de empresas para o universo do software livre. O impulso por trás desse movimento é, principalmente, financeiro. Companhias especialistas em sistemas de código aberto como Canonical, IBM, Novell e Red Hat defendem a tese de que, como esses programas são distribuídos gratuitamente e seu uso está atrelado apenas a contratos de prestação de serviços de manutenção e suporte, o custo final da tecnologia para o usuário é menor, já que ele não precisa mais gastar recursos com as tradicionais licenças de software.
Seria um exagero afirmar que a crise econômica tem levado a uma migração maciça para o software livre - até porque a ideia de que sua adoção é mais barata que a de sistemas proprietários já foi diversas vezes contestada. É fato, porém, que a necessidade de reduzir custos tem feito com que programas como o sistema operacional Linux, a estrela maior do código aberto, passe a ser avaliado por gente que nunca pensou em adotá-lo.
No mês passado, uma pesquisa mundial conduzida pela consultoria IDC com 300 executivos de TI mediu o interesse das empresas em adotar o Linux. Os resultados do estudo patrocinado pela Novell apontaram que 67% dos entrevistados nas Américas avaliam ou já decidiram adotar o sistema operacional em seus servidores, os computadores de grande porte que gerenciam os recursos da rede. Aproximadamente metade dos executivos também declarou que a adoção da virtualização nos servidores tem acelerado a migração para o Linux. Entre os maiores interessados estão os setores de finanças, varejo, governo e telecomunicações.
"Durante muito tempo o mercado enxergou o software livre como um produto alternativo, uma coisa de hippie", diz Alejandro Chocolat, presidente da Red Hat Brasil. "Hoje essa visão amadureceu, o usuário sabe que temos uma proposta diferente, com vantagens claras em relação às demais alternativas."
Com o tempo, o mercado também entendeu que software livre não é sinônimo de software gratuito, embora seja esta a realidade para a maioria dos usuários domésticos desses programas. No ambiente empresarial, a oferta de serviços atrelados a programas como Linux se transformaram em negócios altamente lucrativos, com projeções de crescimento que ajudam a entender por que a IBM, entre 2001 e 2004, injetou US$ 1 bilhão no desenvolvimento de sistemas baseados em software livre e hoje alimenta um laboratório de sistemas abertos com o patrocínio de US$ 100 milhões por ano.
A IDC estima que os gastos anuais com projetos de Linux crescerão a uma taxa de 23,6% até 2013, enquanto todo o mercado de software apresentará crescimento anual de apenas 5%. Os gastos globais com serviços ligados ao sistema Linux deverão saltar de US$ 12,3 bilhões em 2008 para US$ 35,5 bilhões em 2013. Neste mesmo período, a taxa de crescimento anual do sistema operacional Windows, da Microsoft, será de 6,6%. Vale lembrar, no entanto, o tamanho do mercado que hoje está nas mãos da Microsoft. Nos próximos cinco anos, os gastos com Windows subirão de US$ 149 bilhões para US$ 206 bilhões.
Nos últimos anos, o Linux e seus parentes mais próximos travaram uma batalha com a Microsoft para entrar no computador pessoal (PC). É nos servidores, porém, que a guerra tende a ganhar força, já que é nesta seara que estão os grandes contratos de manutenção e suporte. Em 2001, os gastos com atualização e manutenção de servidores consumiram US$ 130 bilhões em todo o mundo. Até o ano que vem, a expectativa é essa demanda atinja US$ 250 bilhões.
Recentemente, a Canonical fez uma pesquisa em mais de 50 países para testar o apetite das empresas em adotar, no servidor, a sua versão do sistema operacional Linux, o Ubuntu. "Ficamos surpresos ao ver que o Brasil só ficou atrás da Índia e superou os Estados Unidos, que ficou em terceiro lugar", diz Fábio Filho, gerente da Canonical para a América Latina.
O crescente interesse do mercado brasileiro em - pelo menos - avaliar a possibilidade de adoção do software livre mexe com as operações dos fornecedores. Nesta semana, a Red Hat, que já tem presença em São Paulo, Rio, Curitiba e Porto Alegre, abriu um novo escritório em Brasília. Na semana passada, a Novell anunciou a nova versão de seu sistema Linux, o Suse 11. A Canonical também acaba de lançar a nova versão do Ubuntu para servidores de companhias como HP, Dell, IBM e Sun Microsystems. "A meta é crescer 30% neste ano, mas só no primeiro trimestre já crescemos 50%", comenta Fábio Filho, da Canonical.
A aproximação da Novell e, mais recentemente, da Red Hat da rival Microsoft também atende uma demanda antiga do mercado, que sempre reclamou da falta de integração entre os diferentes sistemas operacionais. "O princípio é prover ao mercado o melhor dos dois mundos", diz Sergio Toshio, diretor geral da Novell no Brasil. "Muitas empresas passaram a olhar Linux como uma alternativa, porque buscam ambientes heterogêneos."
Essa visão é compartilhada pela Microsoft. "Competimos por clientes e não contra a comunidade de software livre", comenta Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da Microsoft Brasil. "Há oportunidades para Windows e Linux. O que queremos é dar ao usuário o poder de escolha."
A facilidade de adaptação e integração do Linux, afirma Cezar Taurion, diretor de novas tecnologias aplicadas da IBM Brasil, tem sido a grande vantagem do Linux para ganhar mercado. "Hoje você pode rodar essa tecnologia em um conversor de sinal para TV digital ou mesmo em um mainframe."
Mais que fornecedora de tecnologias baseadas em software livre, a IBM passou a ser usuária. A companhia está em fase final de um projeto que vai consolidar 3,9 mil servidores em pouco mais de 20 mainframes. A maioria dos supercomputadores vai rodar em Linux.
Uso do Linux inclui de lotéricas ao pré-sal
A utilização de Linux já faz parte do cotidiano de grandes companhias no país. A Casas Bahia ficou famosa por rodar praticamente 100% de suas operações de informática - inclusive seu novo site de comércio eletrônico - sobre o sistema operacional de código aberto. Com maior ou menor velocidade, o mesmo caminho foi tomado por centenas de companhias, uma lista que inclui nomes como Vale, Ponto Frio, Carrefour, Itaú, Visa, Vivo e Telefônica. Mas são nas empresas públicas que o Linux tem sido alvo de projetos mais agressivos.
Tome-se como exemplo a área científica da Petrobras, onde o sistema do pinguim está instalado em cerca de 6 mil servidores. Entre outras operações, os equipamentos são usados para realizar estudos de processamento sísmico na camada do pré-sal. A partir de sistemas que rodam em Linux, a Petrobras quer descobrir exatamente onde está o petróleo e qual é a quantidade de óleo depositada no subsolo. "Hoje, 95% da nossa capacidade de processamento de atividades de exploração e produção está baseada em Linux", comenta Luiz Rodolpho Monnerat, consultor de TI da Petrobras.
Fora da área científica, o sistema operacional também tem ampliado sua presença dentro dos servidores usados na infraestrutura geral de tecnologia da Petrobras. Dos 4 mil servidores atuais - responsáveis pelo processamento de banco de dados, sistemas de segurança e internet, entre outros -, cerca de 1,5 mil já rodam em Linux. Aos poucos, a adesão ao software de código aberto também começa a chegar às estações de trabalho. Recentemente, diz Antonio Carlos Faria, gerente de serviços de infraestrutura de TI da Petrobras, a companhia iniciou um piloto para fazer a migração do software de produtividade Office, da Microsoft, para o BROffice, que é gratuito. "A ideia é fazer a substituição do programa em nossos 80 mil PCs."
Os grandes fornecedores de serviços de suporte ao Linux ficam de olho em projetos como o da Petrobras. Em muitas ocasiões, empresas públicas - ou mistas - tendem a resolver suas demandas de software de código aberto com o apoio de equipes próprias de tecnologia ou com a contratação do Serpro, que se transformou na grande companhia de TI do governo federal. Dos 3 mil profissionais que hoje atuam na fábrica de software da instituição, 2 mil estão envolvidos em trabalhos ligados à adoção de sistemas de código aberto. Do Serpro já saíram projetos como o do Imposto de Renda, da Receita Federal. Recentemente, a instituição fechou um acordo com o Tesouro Nacional, afirma Marcos Mazoni, diretor-presidente do Serpro. Toda a programação do Controle Integrado Administrativo e Financeiro (Ciaf), que hoje roda sobre o sistema Natural Adabas, da empresa alemã Software AG, será remodelado para o software de código aberto. O projeto, que teve início no mês passado, está avaliado em R$ 10 milhões e deverá ser concluído até dezembro de 2010.
A migração para o software livre também vem sendo acelerada na Caixa Econômica Federal (CEF). No fim de 2006, a CEF gastou R$ 100 milhões no desenvolvimento de uma família de sistemas baseados em Linux para substituir os sistemas da Gtech, companhia que controlava os sistemas usados em 22 mil terminais lotéricos e de transação bancária. Agora a meta é fazer o mesmo no parque de terminais de autoatendimento (ATM) do banco, que hoje soma 20 mil máquinas. "Já fizemos a mudança para Linux em 7 mil máquinas", afirma Clarice Copetti, vice-presidente de tecnologia da CEF.
Por trás dos projetos de Linux da CEF está uma extensa lista de fornecedores que inclui nomes como IBM, Sun Microsystems e 4Linux. No ano passado, o banco fechou contrato para montar fábricas de software, estrutura que hoje demanda programação de sistemas da Stefanini, DBA, GPTI, Probrank, Politec, Meta e CTiS/Montreal.
Em 2008, a área de TI da Caixa consumiu um orçamento total de R$ 2 bilhões, dos quais 75% foram usados para cobrir despesas operacionais e 25% para projetos novos. Em 2009, serão investidos R$ 7,5 milhões em novos projetos ligados ao Linux, verba que não inclui os custos operacionais já relacionados ao sistema operacional. "A questão da redução de custo com o uso de software livre é sempre crucial para nós, mas o aspecto mais interessante do Linux é permitir que o profissional deixe de apenas ler a bula para ajudar a escrevê-la", diz Clarice. "Isso traz uma vibração interessante para a equipe, que se sente mais envolvida com seu trabalho."
Atualmente, a área de TI da CEF conta com 2 mil profissionais. Há cerca de três anos, o banco não tinha 50 profissionais de informática ligados a projetos de sistemas de código aberto. Hoje são mais de 300 pessoas.
Trocando em miúdos
A principal característica dos programas baseados no modelo de software livre é permitir que o usuário manipule o código fonte do sistema e faça adaptações conforme as suas necessidades. Uma vez que o usuário baixa um software livre em seu computador, ele pode modificá-lo e distribuí-lo gratuitamente. Diferentes versões do sistema operacional Linux, o mais famoso no mundo do software livre, se apresentam como um opção gratuita ao Windows, da Microsoft. Pacotes de sistemas de produtividade - como OpenOffice, EasyOffice e StarOffice - também rivalizam com o Office, da companhia de Bill Gates. Boa parte da gratuidade do software livre, no entanto, está atrelada ao uso doméstico desses sistemas. Na área empresarial, onde o software livre também passa a rodar em servidores, sua adoção costuma ser acompanhada de um contrato de prestação de serviços de suporte e manutenção. A diferença é que, enquanto a Microsoft vende seus sistemas apoiada no tradicional modelo de licença por usuário, companhias como Novell, Red Hat e Canonical oferecem contratos de serviços. Para competir entre si, cada uma dessas empresas desenvolve seu próprio Linux. A Novell oferece o seu sistema "Suse", enquanto a Red Hat coloca nas prateleiras seu sistema homônimo e a Canonical vende o seu Linux Ubuntu.
Valor Econômico – SP, André Borges, 23 de abril de 2009