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O computador quântico já existe?
Na primeira parte do artigo do físico Paulo Henrique Guimarães, foram apresentadas as principais características do que seria, em tese, um computador quântico. Mas essa tecnologia já existe? Caso afirmativo, quais as consequências possíveis? Corremos o risco de um apocalipse informacional em que todos os selos criptográficos seriam quebrados e tudo que estava oculto se torne conhecido? Confira.
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Orion. Esse é o nome do primeiro Computador Quântico, que foi apresentado, em 2007, pela empresa canadense D-Wave. Uma máquina de 16 qubits, que custou uma fortuna e funcionou por um período incrivelmente curto. Dez anos mais tarde, a IBM divulgou, durante um evento de produtores de computadores, que estava desenvolvendo um novo processador quântico, dessa vez, de 50 qubits. Conseguiram mantê-lo funcionando por 90 microssegundos. Um verdadeiro recorde! (1)
No mesmo ano, a mesma D-Wave anunciou o 2000Q (2), com 2000 qubits. Enquanto isso, sistemas de 1000 qubits da empresa já estavam sendo testados pela Google, NASA e Lockheed Martin. No entanto, pouco se sabe sobre qual o desempenho ou a real aplicabilidade desses computadores.
Em 2019, a IBM lança o primeiro computador quântico comercial: o Q System One (3). Um sistema híbrido de 20 qubits com processamento, em parte quântico e, em parte, clássico. No entanto, a tecnologia só pode ser usada pelo serviço de computação em nuvem da empresa.
Quanto à comercialização, a IBM saiu à frente das outras empresas. Mas, enquanto isso, a D-Wave anuncia que seu processador quântico já trabalha com 128 qubits e a Google informa que ela também já tem um computador quântico. Já a Intel construiu um de 49 qubits e a Microsoft está, nesse momento, desenvolvendo seu próprio processador. A China também decide entrar na corrida: no ano que vem deve inaugurar um laboratório estatal de Computação Quântica.
De acordo com o Boston Consulting Group (BCG) (4), "a segunda geração da computação quântica, que vai se desenvolver entre 2028 e 2039, será o período no qual as máquinas alcançarão a capacidade de até 50 qubits". O fato é que ainda há muita controvérsia a respeito dos anúncios de todas essas empresas. O certo é que há um investimento gigantesco no desenvolvimento desses sistemas.
Com tantas empresas trabalhando, espera-se da Computação Quântica uma revolução em vários setores, como agricultura, energia, finanças e saúde. Também há a esperança de se acelerar a criação e os testes para novos medicamentos, desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IOT).
Clássico x Quântico
Mas existem requisitos para viabilizar essa tecnologia. São necessários, em relação aos qubits: representação física; controle da evolução; preparação de estados iniciais e medida dos estados finais. Um dos grandes desafios é sustentar a vida dos qubits, ou seja, isolá-los das destrutivas interferências externas, principalmente nos momentos de leitura e de escrita das informações.
Na Computação Clássica é possível realizar operações mais de uma vez. É a visão própria da metodologia científica: repetição traz previsibilidade e, portanto, confiabilidade ao resultado. Mas na computação quântica isso não acontece. Em única operação se processam muitos estados e é simplesmente impossível repetir o fenômeno para efeitos de comparação. A cada vez que se realiza a mesma operação, não se obtêm os mesmos estados. Isso é devido à decoerência dos sistemas quânticos. Uma espécie de ruído, ou de interferência, que atrapalha as sutis inter-relações entre as partículas quânticas e que degrada, num tempo muito curto, o sistema, inutilizando o núcleo do computador ou deixando-o não confiável. Hoje, para funcionar, o núcleo do Computador Quântico precisa ficar num ambiente com um complexo sistema de controle de vibrações e temperatura, um ambiente rigorosamente mantido abaixo dos 200 graus Celsius negativos.
No momento, podemos dizer que os computadores quânticos não servem para realizar as mesmas tarefas que o seu PC de casa ou do trabalho fazem. Mas é irreversível: a ciência da computação já saiu da era da eletrônica e deu os primeiros passos no universo quântico. Todo esse desenvolvimento nos trará uma transformação na forma como processamos informações e nos ajudará a resolver muitos dos problemas difíceis do mundo. Veja no quadro 2 a comparação de performance entre os sistemas clássicos e os sistemas quânticos.
Ao comparar os dois quadros, é possível concluir que o tempo de processamento com um número razoavelmente baixo de qubits é mais do que suficiente para quebrar qualquer chave utilizada em processamento hoje. Mesmo as chaves mais complexas serão desmascaradas em muito pouco tempo. Isto é o caos na informação.
Questões para o futuro
Como então seria possível manter a segurança informacional? Já é complexo garantir o sigilo no mundo atual. Se os hackers, hoje, conseguem invadir grandes ambientes, em uma realidade quântica seriam capazes de atuar em qualquer lugar e em um tempo absurdamente menor. Um desastre para todas as soluções de segurança. Como o sistema financeiro internacional suportaria tal catástrofe? Será que isto tudo nos levaria ao chamado "apocalipse criptográfico"?
Hoje, há pesquisadores se empenhando justamente em estudar o emaranhamento em sistemas quânticos e quando seria possível atrelar o estado quântico de múltiplas partículas sem determiná-lo (5). Também há pesquisa, em desenvolvimento, de algoritmos de criptografias quânticas que seriam capazes de suportar essa possível quebra de paradigma.
Na quântica, o mundo se torna surreal nos menores níveis e as coisas podem existir, simultaneamente, em dois lugares, ou girar em dois sentidos ao mesmo tempo. Seja bem-vindo a um novo universo!