Artigo
Máquinas inteligentes
Inteligência artificial ensina lógica da aprendizagem humana para máquinas
Se você tem algum interesse em cachorros, então provavelmente consegue identificar com razoável facilidade quando um cão é um doberman ou um pastor alemão, e nem se dá conta de todo o processo de aprendizagem que lhe permitiu fazer essa distinção. Nem nos lembramos, mas certamente nossos pais reforçaram esses conceitos diversas vezes, apontando para algum animal e falando “olha o au-au”, “olha o gatinho”, corrigindo-nos quando nomeamos os animais de forma equivocada. Fomos ensinados a diferenciar. Esse exemplo de processo de aprendizagem é frequentemente utilizado por especialistas para que pessoas leigas compreendam a essência da inteligência artificial – a chamada IA. O fundamento está em ensinar máquinas a reconhecerem e distinguirem objetos por uma via muito similar ao comportamento de aprendizagem do cérebro humano.
São várias etapas: primeiro, separamos grupos de objetos semelhantes por categorias e subcategorias (como cães e gatos, dobermans e pastores), de acordo com variáveis que se repetem (forma do corpo, da cabeça, da penugem, da calda). Depois, fazemos tentativas de distinção, e recebemos reforço positivo quando acertamos, negativo quando erramos. A grosso modo, essas mesmas etapas são percorridas quando se quer ensinar uma máquina a pensar da mesma forma “neurológica” como pensamos.
Treinamento de redes neurais
Faz sentido, portanto, que profissionais da IA usem a expressão “treinar uma rede neural” para se referir ao processo, por exemplo, de utilizar um enorme banco de dados com imagens de câncer de pele e de outras doenças para que uma máquina “saiba” reconhecer quando a foto da mão de uma pessoa tem, por exemplo, um câncer de pele ou não. Ou para perceber quando uma assinatura de cheque é falsa. Ou mesmo para distinguir um automóvel de marca específica em uma imagem de trânsito.
O processo de ensinar a máquina é semelhante ao do nosso ensino-aprendizagem no tocante a reconhecimento: a pessoa que treina a rede neural “oferece o gabarito” para que a máquina saiba onde errou e onde acertou nas suas comparações. A velocidade de comparar e de chegar à diferenciação de um computador, entretanto, é muitas vezes superior à de uma pessoa. Esse caminho é diferente daquele que se recorre ao desenvolver um software, quando se mapeiam as possibilidades de acontecimento e se programa a máquina a responder de acordo com solicitações também mapeadas, seguindo a lógica de “se acontecer x, faça y”, a partir de linhas de código.
O salto da inteligência artificial
A IA vem sendo desenvolvida desde os anos 1970, em uma história que deve muito a desbravadores como Alan Turing e Herbert Simon. Mas o grande boom verificado nos últimos anos foi possível a partir da união de dois fatores recentes. O primeiro é o desenvolvimento de capacidades de processamento muito altas, com vários servidores poderosíssimos, que possibilitam treinar a rede neural no tempo adequado.
O segundo fator é o surgimento do big data, que permite armazenamento e recuperação de informações em quantidades muito altas, de maneira dinâmica. De acordo com dados da IBM, citados no Aba Journal, a cada dia são criados cerca de 2,5 quintilhões de bytes de dados, ou 2.500.000.000.000.000.000 de bytes. Big data possibilita utilizar esses dados para fins diversos, entre os quais se coloca o abastecimento dos enormes bancos de dados utilizados no treinamento de redes neurais.
Olhando para o futuro, a Gartner sustenta que, já em 2020, um em cada cinco trabalhadores envolvidos com execução de tarefas não rotineiras dependerá da IA para fazer um trabalho. Já a Accenture entende a IA como algo além de mais uma onda tecnológica, que mais do que substituir pessoas, potencializará seu trabalho – pois na interação entre máquinas e inteligências humanas residiria o grande potencial desse novo fator tecnológico.
Um dos exemplos mais citados vem do campo jurídico: ao utilizar assistentes virtuais, 1.000 documentos jurídicos podem ser revisados em questão de dias, ao passo que o mesmo trabalho realizado por três pessoas levaria seis meses. Mas esse processo precisa ser orientado por profissionais, em uma relação entre pessoas x máquinas mais próxima do que a de outras grandes inovações, como a eletricidade ou a própria automação industrial operada computacionalmente.
Validador Cognitivo
No campo dos serviços públicos, a inteligência artificial possui aplicações diversas. Um dos exemplos recentes é o Validador Cognitivo, solução desenvolvida pelo Serpro para atender à necessidade de órgãos autuadores de trânsito. O serviço se propõe a validar autuações provenientes de sistemas de gestão de infrações de órgãos autuadores de trânsito por meio da análise de imagens das autuações de trânsito, com utilização de visão computacional e redes neurais.
Até hoje, a conferência de um enorme montante de potenciais autuações tem sido realizada manualmente, por profissionais dos órgãos autuadores. Com o validador, a verificação passa a ser realizada de forma automática, e os casos duvidosos são separados com a sugestão de uma revisão, aí sim, particularizada, dos autuadores. Ou seja, a solução não substitui o trabalho humano e nem automatiza o processo, mas sugere classificações para as diversas infrações. Isso é relevante em um cenário no qual o número de infrações tende a aumentar enquanto o número de servidores públicos tende a permanecer estável. O aumento de produtividade auxilia a realização de tarefas dentro de prazos legais.
Os Detrans também necessitam que a identidade de condutores de veículos seja preservada nas fotos, sendo necessário ensinar a máquina a reconhecer um vidro de carro, por exemplo, e hachurar a imagem, “borrando” o vidro, para que não se possa identificar a pessoa que conduz o veículo. Esse é um trabalho já realizado pela solução desenvolvida pelo Serpro. O Validador Cognitivo também atua de forma integrada com o Radar, solução para a gestão de multas de trânsito que permite reduzir custos para os Estados e oferecer descontos e facilidades de pagamento para os cidadãos.