Artigo
e-Gov
Estratégias do Governo Eletrônico Brasileiro
Uma pesquisa realizada se propôs a responder os seguintes questionamentos: "Quais têm sido as políticas de desenvolvimento do governo eletrônico nesses oito anos? Até que ponto elas estão alinhadas com o direcionamento das organizações internacionais? Quais são os desafios e melhores práticas do governo eletrônico brasileiro, incluindo as suas implementações mais inovadoras?".
Para responder a essas questões, foi analisado o direcionamento estratégico do Programa de Governo Eletrônico do Brasil no período de 2008 a 2016 e o seu alinhamento com as organizações internacionais (ONU, Unesco, OECD e Open Knowledge International), através do estudo de 13 planejamentos estratégicos do Serpro e do governo federal (Ministério do Planejamento).
Entrevistas semiestruturadas com gestores estratégicos do governo foram realizadas em maio de 2014 (15 executivos) e em junho de 2016 (oito executivos), em Brasília. Essa pesquisa também apresenta as iniciativas relevantes e inovadoras de e-Gov do governo federal dos últimos anos, segundo os entrevistados, para ilustrar o desenvolvimento do governo eletrônico brasileiro, seus desafios e melhores práticas.
Os resultados da pesquisa com relação às três categorias de e-governança (e-Serviços, e-Administração e e-Democracia) segundo categorização da Unesco, contendo os elementos de governo eletrônico classificados nessas categorias, são:
1) e-Serviços
A preocupação em melhorar e expandir a oferta de serviços eletrônicos pode ser observada nos planejamentos estratégicos do Ministério do Planejamento (MP) desde 2011, com a inclusão dos elementos "transparência", "participação social" e "inovação" nos planejamentos subsequentes (Fig.1).
Figura 1: e-Serviços
2) e-Administração (interoperabilidade e integração, padronização e sistemas estruturantes)
Desde 2008, o Ministério do Planejamento (MP) tem abordado a necessidade de integrar os sistemas de informação do governo e fomentar a utilização do padrão e-PING para a interoperabilidade e o padrão e-MAG para acessibilidade de portais. Em 2011 é acrescentada também a evolução do padrão web em governo eletrônico e-PWG, além da iniciativa estratégica "fortalecer a interoperabilidade de sistemas estruturantes do governo federal", conforme ilustrado na Fig. 2.
Na Estratégia de Governança Digital (EGD) 2016-2019, o objetivo estratégico "compartilhar e integrar dados, processos, sistemas, serviços e infraestrutura" e a iniciativa "promover o uso de padrões de governo eletrônico" podem ser observados. Alguns entrevistados de 2014 mencionaram a necessidade do governo ter uma arquitetura corporativa e a maioria deles estava otimista com o desenvolvimento do FACIN – Framework de Arquitetura Corporativa para Interoperabilidade no Apoio à Governança (Musafir, 2014).
Figura 2: e-Administração
3) e-Democracia (dados abertos e transparência; e-participação)
No período de 2011-2013 pode ser observada uma maior interação entre governo e sociedade, através de mecanismos que aumentam a transparência pública, como a "Lei de Acesso a Informação" (LAI) de 2011, considerada um marco para a política de transparência brasileira. A questão dos dados abertos entrou na agenda do governo a partir de 2011, com a iniciativa estratégica de implementar a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA), com o incentivo dos estados e municípios a participarem da INDA e em 2016 com o estabelecimento da "Política de Dados Abertos" (Fig. 3). Em 2015, o Brasil alcançou a 12ª posição no índice Global Open Data, mas ainda existem muitas questões relacionadas a que dados devem ser públicos e o que fazer com esses dados.
Segundo um entrevistado do MP, "nos últimos anos nós demos um salto em transparência. Apesar da percepção que a corrupção no Brasil aumentou, podemos afirmar que em médio prazo, o aumento da transparência para o Estado Brasileiro será muito bom".
A expansão da participação social já era um direcionamento estratégico desde 2012, ganhou força política também nas manifestações populares de junho de 2013 que agilizou o lançamento do ambiente virtual participa.br e teve mais relevância na EGD 2016, sendo um dos três eixos estratégicos dessa estratégia. Essa preocupação do governo fez com que o Brasil alcançasse a 24ª posição no índice e-participação do Relatório de Governo Eletrônico da ONU de 2014. Embora em 2016, o valor do índice tenha subido, o Brasil perdeu 13 posições, indicando que o cidadão ainda precisa participar mais da tomada de decisão e aumentar o seu engajamento na política pública para melhorar esse índice.
Figura 3: e-Democracia
Iniciativas Top do Governo Eletrônico Brasileiro
As iniciativas de governo eletrônico mais relevantes e inovadoras dos últimos anos, segundo os gestores estratégicos entrevistados, seus desafios e melhores práticas são:
Top e-Serviços G2C (Governo-para-Cidadão)
1) IRPF – Imposto de Renda Pessoa Física
2) SPED/eSocial – Sistema Público de Escrituração Digital/eSocial
3) ENEM/SISU/FIES – Serviços relacionados à Educação Superior
Top e-Serviços G2B (Governo-para-Empresas)
1) Portal Empresa Simples
2) Portal Único do Comércio Exterior
Top G2G (Governo-para-Governo) - Sistemas Estruturantes e Processos (e-Administração)
1) SICONFI – Sistemas de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público
2) SIGEPE – Sistema de Gestão de Pessoas do governo federal
3) SINESP – Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública
4) PEN/SEI – Processo Eletrônico Nacional/Sistema Eletrônico de Informações
Como desafios comuns dessas iniciativas, podemos destacar: necessidade de interoperar com vários órgãos de diferentes níveis de governo, com diversidades tecnológicas; grande volume de dados; barreiras culturais; e resistência a mudança.
As implementações de e-Gov apontadas pelos entrevistados como o IRPF, eSocial, Portal Empresa Simples, Siconfi e Sigepe são soluções inovadoras a nível mundial por causa de suas melhores práticas, tais como: simplificação dos processos; redução da burocracia; redução do custo Brasil; melhoria da transparência; maior integração e interoperabilidade entre órgãos dos diferentes níveis de governo; uso da metodologia ágil no desenvolvimento de seus sistemas; uso de padrões (e-PING e XBRL); e uso de certificados digitais para aumentar a segurança e proporcionar serviços 100% digitais.
Conclusão
Desde 2008, as políticas públicas de e-Gov estão avançando. Nos últimos dois anos, as estratégias de governo digital estão muito mais alinhadas com o direcionamento das organizações internacionais como ONU, OECD e Unesco.
Podemos concluir a partir da pesquisa, complementada pelas entrevistas, que os desafios brasileiros para o desenvolvimento do governo eletrônico ou governança digital são: cultura organizacional, desafio da integração e problema financeiro.
Com relação à cultura organizacional, podemos destacar o tamanho do governo federal, a fragmentação das nossas organizações, a constante mudança política, entre outros pontos. Para resolver esses problemas, o governo precisaria avançar em governança corporativa com o objetivo de tornar a gestão pública mais profissional, e com menor influência política utilizando, por exemplo, os critérios definidos na "Lei das Estatais" de junho de 2016 para a designação de executivos das estatais. Duas boas soluções para o problema da fragmentação das organizações são: a) o uso da "Rede de Conhecimento" do SISP e a alocação de técnicos pelo Ministério do Planejamento para as agências do SISP que estão comprometidas com o alcance das metas da EGD definidas entre eles; e b) a Implementação de carreiras flexíveis, onde as pessoas possam se movimentar dentro das suas organizações e compartilhar as inovações entre as áreas.
A questão da integração é um grande desafio para o governo, pois muitos órgãos trabalham de forma independente, em vez de atuarem conjuntamente para simplificar os seus processos. A integração entre níveis de governo é crítica e bem difícil de ser implementada. Segundo a presidente do Serpro Glória Guimarães, "um dos maiores desafios do Serpro é gerar informação útil para os nossos clientes, usando big data analytics. Para conseguir isso, é fundamental superarmos outro grande desafio: o desafio da integração. No Serpro, nós trabalhamos com dois níveis de integração: dados e serviços."
Para este desafio, o governo precisa simplificar os processos de forma que eles possam ser automatizados, sem aumentar a burocracia e "Pensar Simples", tratando a exceção como exceção, sem penalizar o cidadão que só quer consumir um serviço do Estado de forma simples.
O terceiro desafio enfrentado pelo governo é o problema financeiro, pois todos os ministérios do governo estão tendo cortes nos seus orçamentos, o que afeta substancialmente os seus orçamentos de TI. Para aumentar essa receita, é sugerido um novo modelo de negócios, onde as organizações governamentais compartilham informações ou serviços com outras organizações que necessitam dessas informações, reduzindo os seus custos.
A mudança de paradigma que a Estratégia de Governança Digital (EGD) está trazendo para a política brasileira de e-governança pode ser bem resumida pela citação de Fernando Siqueira, secretário adjunto do Ministério do Planejamento (em 2016): "A EGD traz uma mudança de paradigma [...] ao invés de desenharmos serviços públicos pensando no cidadão, temos que desenhar serviços públicos do ponto de vista do cidadão [...] Se conseguirmos passar para os analistas de negócio, desenvolvedores e técnicos que esse é o foco, então estaremos construindo a governança digital".
Nos últimos dois anos, o Brasil avançou seis posições, alcançando o 51ª lugar no Relatório de Governo Eletrônico da ONU de 2016. Como o governo federal está alinhado com o direcionamento da governança digital com o enfoque do "governo-como-um-todo" (whole-of-government), com foco no cidadão, agindo de forma mais transversal e com colaboração entre os órgãos, o Estado deve melhorar a eficiência e efetividade da gestão pública e reduzir o custo Brasil ao longo dos próximos anos.
Este artigo apresenta um resumo do capítulo "Brazilian e-Government Policy and Implementation", do livro "International e-Government Development: Policy, Implementation and Best Practice" (Musafir, 2018). O capítulo foi parcialmente traduzido e, a partir dele, foi publicada uma série de três artigos no blog Comunidade Áreas de Integração.
Referências
Musafir, Valéria E. N. (2014). O Papel Estratégico do Serpro no Desenvolvimento do Governo Eletrônico Brasileiro. Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Gestão Pública com Foco em Negócios. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Universidade de Brasília, Brasília, Brasil, Agosto 2014.
Musafir, Valéria E. N. (2018) Brazilian E-Government Policy and Implementation. In: Alcaide Muñoz L., Rodríguez Bolívar M. (eds) International E-Government Development. Palgrave Macmillan.
Musafir, Valéria E. N. (2018a). Política e Implementação do Governo Eletrônico Brasileiro – parte I. Acessado em https://areasdeintegracao.blogspot.com/2018/03/politica-e-implementacao-do-governo.html, Março 2018.
Musafir, Valéria E. N. (2018b). Política e Implementação do Governo Eletrônico Brasileiro – parte II. Acessado em https://areasdeintegracao.blogspot.com/2018/05/politica-e-implementacao-do-governo.html, Maio 2018.
Musafir, Valéria E. N. (2018c). Política e Implementação do Governo Eletrônico Brasileiro – parte III. Acessado em https://areasdeintegracao.blogspot.com/2018/06/politica-e-implementacao-do-governo.html, Junho 2018.
Nota: O livro tem a versão impressa e e-book (livro ou capítulo), disponíveis em http://www.springer.com/br/book/9783319632834#