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A volta por cima
Matéria publicada na Revista Tema — Edição 239 - Fev/2025
Por exatos 1.166 dias, o Serpro esteve listado no Programa Nacional de Desestatização, que tinha como um de seus objetivos privatizar a maior empresa pública de tecnologia do mundo. O anúncio de que a estatal de TI passaria a fazer parte dos estudos para a sua venda ao mercado privado ocorreu no dia 23 de janeiro de 2020. Mas, em 7 abril de 2023, o governo federal anunciou a sua retirada da lista de venda para o mercado privado.

“Uma empresa como o Serpro não pode ser privatizada. Ela é fundamental para o desenvolvimento da tecnologia, da informação, do conhecimento, das políticas públicas fomentadas para o desenvolvimento desse país”, declarou o presidente da estatal de TI, Alexandre Amorim. De acordo com o executivo, o Serpro é uma empresa de Estado e para o Estado. “É o serviço público de tecnologia preocupado com o cidadão. Importante conquista para o povo brasileiro”, acrescentou Amorim.
Salve seus Dados
Neste período, surgiu uma campanha pela proteção dos dados brasileiros e pela defesa da permanência do Serpro e da Dataprev como empresas públicas. A Salve Seus Dados foi liderada pela Associação Nacional dos Empregados da Dataprev (ANED), contando com participação de profissionais das duas estatais.
“O mais difícil na Campanha foi a intransigência do governo anterior. Passávamos por pandemia mundial, na Dataprev tivemos a extinção de 20 unidades regionais, demissão de mais de 300 funcionários, perda do plano de saúde de autogestão. Ou seja, além da luta contra a privatização, ainda tivemos esses contratempos”, lembra o presidente da ANED, Léo Santuchi. “A retirada da Dataprev e do Serpro da privatização nos engrandeceu muito e temos a sensação de dever cumprido, em mantermos as empresas públicas”, celebrou.
Proposta de privatização desconsiderava os riscos à proteção de dados
A proteção e privacidade dos dados nacionais: de cidadãos, empresas e do Estado foi um dos temas intensamente debatidos no período no qual o Serpro esteve no Programa Nacional de Desestatização. O Ministério Público Federal (MPF) publicou documento com um alerta de que a privatização do Serpro era um risco de ameaça à soberania nacional.
A Nota Técnica do Grupo de Trabalho Tecnologia da Informação e Comunicação da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF apontou que a venda do Serpro entrava em contradição com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que define que apenas empresas públicas podem tratar dados pessoais relacionados à segurança pública.
O texto ressaltou também que os serviços do Serpro são “afetos a imperativos de segurança nacional, são essenciais à manutenção da soberania do Estado, visam garantir a inviolabilidade dos dados governamentais e são de relevante interesse coletivo”.
União da sociedade e resultados do Serpro provaram o valor da empresa
Uma das mais importantes entidades de ciência e tecnologia do país, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) divulgou um manifesto de “enorme preocupação” sobre a privatização do Serpro e da Dataprev, em julho de 2021. A publicação, assinada por diversas instituições, alertava sobre os riscos à soberania do Brasil: “são nos dados das pessoas e instituições onde reside o grande risco de transferência dessas empresas para o setor privado. Tais dados, mantidos pelo Estado brasileiro, precisam ser protegidos para garantir sua privacidade, integridade, disponibilidade e autenticidade”.
“A retirada da estatal do programa de desestatização foi um grande acerto do Estado brasileiro porque se trata de um ativo de muito valor para o Estado, que não poderia ser simplesmente entregue”, afirmou o professor titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das grandes referências em inteligência artificial do Brasil, Anderson Rocha. “Nada contra a iniciativa privada, mas entendo que certas áreas, e uma delas é o controle dos dados sobre o cidadão brasileiro, devem estar de posse do governo”, complementou.
O pesquisador, um dos articuladores do manifesto da SBC, diz que o Serpro se destaca não só em relação ao desenvolvimento de software para entidades públicas. “A empresa é uma referência nisso e tem todo um histórico de boas entregas, além de ser lucrativa, considerando as métricas tradicionais de mercado”, disse Anderson Rocha.
Para o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Fausto Augusto Junior, a manutenção do Serpro como uma empresa pública e estatal é fundamental para a soberania e a construção de um novo projeto de desenvolvimento do Brasil do século XXI. “Garantir que o processamento das informações dos cidadãos seja realizado por uma empresa estatal brasileira não é uma discussão de mercado, mas de independência e segurança nacional”, afirmou Fausto.