Artigo
Por uma cultura de startups alinhadas à LGPD
Para Matheus Barbosa, da Comissão de Direito das Startups da OAB/PE, se adequar à lei é garantia de escalabilidade e perpetuação para as startups. E um diferencial de mercado, inclusive na hora de negociar com empresas maiores, uma vez que essas só estarão ajustadas à LGPD se todos seus fornecedores também estiverem
1º/10/2019
O título deste artigo pode parecer um contrassenso, causando estranheza para muitos. Afinal, as startups estão associadas a um ecossistema de trabalho em que estão presentes, entre outros, o trabalho colaborativo e no qual muitos paradigmas organizacionais são quebrados e novos modelos de gestão e formas de interação laboral são testados, alguns dos quais ainda não foram normatizados. Disso o autor não discorda e apoia.
Outra característica das startups é prezar pela escabalidade by design. Ou seja, desde a concepção da ideia e durante toda sua operacionalização, o objetivo primordial de tais empresas é expandir o número de clientes, usuários e/ou faturamento, de forma acelerada, sem precisar aumentar seus custos na mesma proporção.
Contudo, é preciso ter cautela ao estimular a cultura da escalabilidade a qualquer custo. Isso porque a empresa não pode se desenvolver à margem da lei, sob pena de arriscar a própria sobrevivência. Explico a seguir.
Com a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), impôs-se aos envolvidos no tratamento de dados pessoais o respeito ao princípio da segurança, entendida essa como a utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão (artigo 6º, VII, LGPD); bem como o princípio da responsabilização e prestação de contas, compreendidos como a demonstração, pelo agente de tratamento, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas (artigo 6º, X, LGPD).
"Uma multa é o menos preocupante, haja vista ser muito mais prejudicial à qualquer empresa a publicidade negativa decorrente da divulgação de sua não conformidade com uma lei que garante os direitos do cidadão e, por tabela , dos seus clientes, como é a LGPD"
Em caso de cometimento de infrações, os agentes de tratamento abrangidos pela LGPD estão passíveis de sofrerem sanções administrativas impostas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), entre as mais graves, a publicização da infração, o bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização ou até a eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração (art. 52, IV, V e VI, LGPD).
Reputação em jogo
Cite-se, ainda, a possível aplicação de multa. Entretanto, conforme tratei em outro artigo essa é a sanção menos preocupante, haja vista ser muito mais prejudicial à qualquer empresa a publicidade negativa decorrente da divulgação de sua não conformidade com uma lei que garante os direitos do cidadão (e, por tabela, dos seus clientes), como é a LGPD. É também mais preocupante a perda dos dados com os quais trabalha do que uma multa que provavelmente ficará muito abaixo dos R$ 50 milhões propalados por alguns para causar alarde e que pode ainda ser discutida no Judiciário, estando sujeita à prescrição, e que fatalmente será reduzida face ao regime diferenciado previsto na legislação brasileira para as empresas de pequeno porte (artigos 170, IX, CF/88; artigos 1º e 65-A, LC 123/2006).
Assim, para uma startup que coleta dados dos clientes e os repassa para outra empresa, por exemplo, ver-se depois privada de seu banco de dados - em decorrência de não ter observado a LGPD - equivale a uma decretação de falência.
A não adequação à LGPD em nome do apego ao atual modelo de escalabilidade, portanto, poderá levar à perda do número de clientes e de faturamento, o contrário do desejado por qualquer empresa.
Ademais, uma startup que garante os direitos de seus clientes, no atual data-driven market, terá natural preferência no que diz respeito à captação de clientes e ao fechamento de contratos com empresas maiores (haja vista uma empresa só estar em conformidade com a LGPD quando todos os seus fornecedores também estiverem). Isso se traduz em um diferencial competitivo e um aumento de faturamento.
Faz-se necessário, então, que as startups adequem-se às exigências da LGPD. E não vejam a lei como um obstáculo jurídico que impede seu crescimento, mas sim como uma ferramenta que garante a perpetuação do negócio, fornece um diferencial de mercado e fomenta a verdadeira escalabilidade.
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