ARTIGO
A LGPD busca nos proteger do risco que está por vir
André Felippe Marques frisa que a relação homem e tecnologia tornou-se um produto, e a comercialização dessa relação traz ameaças. O advogado acredita que, para criar uma mentalidade ética e contra o uso indevido de dados pessoais, é essencial se adequar à nova lei
12/06/2019
Uma das reflexões mais comuns nos dias atuais é de que o mundo está em constante - e extremamente rápida - mudança, conquanto saibamos que as alterações são naturais e sempre estiveram presentes. A rapidez que hoje estabelecemos como grande marca das últimas décadas é certamente consequência da facilidade de comunicação e acesso à informação que a internet nos trouxe. As novidades tecnológicas não param e o mundo digital está cada vez mais presente, e atuante, em nossas vidas - a ponto de se discutir, em determinados casos, os malefícios causados pelo ambiente extremamente conectado em que nos encontramos, inclusive à saúde, com aparecimento e aumento significativo de doenças psicológicas, como estresse, ansiedade e outras. É fato que ainda não é possível dizer aonde essa onda tecnológica e digital irá nos levar e quais perigos aos usuários ela pode representar. Mas, obviamente, no passar dos anos, a preocupação se acentuou com as inúmeras criações de golpes que a modernidade nos trouxe.
Também na seara jurídica, verificamos diversas mudanças nas últimas décadas. Sobretudo no Brasil após a promulgação da Constituição Federal vigente, que pelo cuidado em garantir direitos individuais e democráticos, fruto do período histórico em que foi elaborada (pós-militar), ficou conhecida como “Constituição Cidadã”.
Mais do que em busca pelas garantias individuais, o mundo em que vivemos também está em constante batalha contra o vilipêndio às leis e, em nosso país, mais fortemente, contra os escândalos de corrupção. O mundo jurídico brasileiro, com isso, tem se debruçado à aplicar e a desejar a aplicação de regra de governança corporativa e de compliance como verdadeiros instrumentos para impedir, ou mitigar, a ocorrência de ilícitos que consomem não apenas uma empresa ou uma pessoa determinada, mas toda a coletividade.
"Usuários de internet e consumidores deverão, mais do que nunca, ter atenção aos termos de uso de dados. E, aos empresários, a busca por profissionais qualificados para adequação à lei é medida urgente"
Embora esteja em alta no momento falar em compliance anticorrupção ou voltado a uma ideia equivocada de aplicabilidade criminal, este, na verdade, é um instituto que objetiva a criação de uma mentalidade ética e de conformidade com as leis de maneira geral, com aplicação nas mais diversas áreas, como marketing, recursos humanos, relações comerciais, tecnologia. E, diante de todo esse contexto, com a consciência de que a proteção dos dados pessoais se tornou verdadeira pedra angular da sociedade moderna, em especial pelos hoje conhecidos transtornos causados pelo vazamento de dados, pela facilidade de captação destes na internet e/ou pelas grandes empresas captadoras de dados, big datas e analytics, é que as leis destinadas à defesa dos dados individuais tomaram relevância. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) é uma realidade que poucos conhecem, que tem data para ser aplicada (agosto/2020) e que será aplicável à toda e qualquer atividade econômica.
Em todo o fluxo
A LGPD é o método encontrado para determinação de conformidade no Brasil para captação, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais, prevendo procedimentos que as empresas precisarão adotar para impedir que informações individuais sejam livremente trabalhadas, sem o conhecimento do próprio indivíduo, desde o mapeamento até o gerenciamento de crises.
O cumprimento da legislação e, principalmente, a realização de procedimentos para coleta e tratamento dos dados individuais, serão fiscalizados pela recém aprovada Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que poderá exigir a exibição de Relatórios de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, onde serão demonstrados os registros das operações de tratamento que realizarem, que deverão ser responsabilidade do controlador ou do operador desses dados.
Para fiel cumprimento do que estabelece este novel legislativo, as empresas precisarão se adequar às normas de compliance digital e de segurança de dados estabelecidos na própria norma, entre as quais é importante citar a nomeação do encarregado - similar ao Data Protection Officer (DPO) do RGPD europeu. O encarregado será o responsável pelo desenvolvimento e/ou continuidade do programa de proteção de dados da empresa, bem como vai ser interface com a ANPD. Além disso, a empresa - a quem a legislação estabelece responsabilidade direta pelo descumprimento e vazamento de dados - deverá mapear o fluxo de dados recebidos e armazenados, fazer avaliação dos riscos inerentes e criar um plano de adequação, com a elaboração de medidas e políticas de segurança da informação, a constituição de padrão de normas e procedimentos internos - tanto para recebimento dos dados como para enfrentamento de crises decorrentes de falha no sistema de segurança. É importante o comprometimento da alta direção e do estabelecimento de mentalidade voltada ao cumprimento das normas elaboradas internamente para toda a equipe de colaboradores, com realização de cursos e treinamento constante.
Certamente os impactos sobre as empresas serão notórios. Não será permitido - somente com o consenso expresso do titular dos dados - o compartilhamento ou troca de dados com terceiros; e até mesmo nas relações de trabalho, já que o aval do titular dos dados é necessário em qualquer tipo de relação jurídica. As penalidades para a não conformidade com a legislação poderão variar desde advertência com indicação de adoção de medidas corretivas, publicização da infração após devidamente apurada e confirmada, bloqueio ou eliminação dos dados pessoais, até multa simples ou diária, mínima de até 2% do faturamento do último exercício, indo ao máximo de R$ 50 milhões por infração, e indenização pelos danos efetivamente causados.
É dado início à revolução digital, e a legislação busca nos proteger do que está por vir. A relação humana com a tecnologia tornou-se produto, e sua comercialização está demonstrando ser muito perigosa: algo que a LGPD procura inibir, baseando-se nos conceitos já aplicados mundo afora, e que deverá ser motivo de atenção dos usuários de internet e consumidores, com a leitura - agora mais do que nunca - dos termos de uso de dados. Ao empresário, a busca por profissionais qualificados para adequação é medida urgente e que não poderá ser deixada para a última hora.