Notícia
A União deve legislar, privativamente, sobre a proteção de dados pessoais?
Questão foi debatida por especialistas em audiência pública proposta pela comissão da PEC 17/2019
31/10/2019
A União deve ter competência privativa para legislar sobre o tratamento de dados pessoais? Esta foi a pergunta discutida nesta semana na audiência pública proposta pela comissão especial que analisa a PEC 17/2019, que propõe a inserção da proteção de dados pessoais como direito fundamental. A maior parte dos convidados para a audiência, que contou com representantes do governo, academia, setor privado e sociedade, concordou com o fato de que a federalização da produção normativa traz mais segurança jurídica, facilita a conformidade e induz à criação de um ambiente com regras homogêneas: objetivos alinhados à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). No entanto, também houve manifestações de preocupação quanto a eventuais limitações à autonomia de Estados e municípios para implantarem políticas públicas específicas de inclusão digital.
No diálogo, o vice-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, lembrou que legislar sobre direito civil e comercial já é, nos termos da Constituição, uma competência privativa da União. “Isso permitiu que os temas fossem unificados nacionalmente sem impedir que se atenda, eventualmente, a alguma especificidade local”, ponderou o também ex-presidente do Banco Central. Sidney afirmou que nos Estados Unidos, por exemplo, onde a proteção de dados era tratada de forma descentralizada, já existe um projeto de lei que tramita agora no Senado e propõe a federalização do tema.
O diretor Jurídico e de Governança e Gestão do Serpro, Gileno Barreto, também participou da audiência e defendeu a federalização, já que “a fragmentação normativa aumenta em muito as dificuldades de adequação, refletindo-se, inclusive, em um grande aumento de custos”. Gileno frisou, ainda, que a elevação da proteção de dados ao status de direito fundamental é uma medida necessária para atualizar os mecanismos de tutela já trazidos pela Constituição. “A jurisprudência do STF confirma o entendimento de que, no momento, o que é protegido é apenas o fluxo de dados. Precisamos evoluir para a proteção dos dados em si”, alertou.
Por sua vez, a coordenadora-executiva do Intervozes, Marina Pita, argumentou que algumas leis nacionais, como a LAI (Lei de Acesso à Informação), têm funcionado no país porque contaram com regulações nos municípios, locais onde, segundo ela, se dá a rotina dos cidadãos e onde, de fato, os dados pessoais deles serão impactados. "No caso da política pública, o município pode regular de forma suplementar", frisou Marina. "É claro que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados deve ter absoluta legitimidade em consentir se uma politica estará em harmonia com a norma federal, mas isso não quer dizer que esse debate não possa ser feito antes da aplicação de uma política pública municipal", acrescentou a representante do coletivo de comunicação social.
Já o doutor em direito civil Danilo Doneda enfatizou que a constituição deve vencer o “anacronismo de propor a proteção dos dados só quando comunicados”. “Isso compromete a privacidade informacional e a autodeterminação informativa”, avaliou. Por sua vez, Francisco Brito Cruz, diretor do Interlab, um centro de pesquisa das relações entre direito e tecnologia, lembrou que privacidade “já não é só o direito de ser deixado sozinho” e que o conceito evoluiu para uma cultura de participação, com a promoção de circulação informacional dentro de determinadas regras.
Clique aqui para assistir ao vídeo completo da audiência pública realizada na terça-feira, 29, pela Comissão Especial de Dados Pessoais e Direitos Fundamentais. Um próximo encontro proposto pela comissão está previsto para a próxima terça-feira, 5 de novembro, com convidados de entes como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).